Friagem e suspensão
A friagem é como uma suspensão de fundo de rio ou
mar. Vai se acumulando, porque apenas assim ganha corpo. Mas é leve e paciente.
Com tardança toca o fundo lodoso ou arenoso de
nossos poros. O frio tem muitos bocados; é que seu ser pueril somente ganha
algum grama depois de inúmeras camadas.
Antes de qualquer peteleco, segue tudo bem
mandrião. Até que um pé ou uma pata faz desmoronar todo peso. E num segundo
tudo volta a flutuar em rodopio imprevisível.
É assim também com a friagem. Flutua pelo ar com
lentidão; demora a se assentar no chão; e quando realmente descansa cria
orvalho sobre a verde relva que se descolore ao amanhecer. Esfria os pés da
gente. A coluna da gente. Esfria até o sabor que acorda sob a língua áspera da
gente.
O mundo todo fica turvo de frio, como turvo fica o
fundo do rio. Basta que acordemos, e pisemos no mundo. Basta que entremos no ar
ou na água. Basta sermos como somos: um movimento!
Rafael Alvarenga
Itatiaia, 24 de março de 2015