Que a tarde seja ela mesma
Os pardais passeiam sua simplicidade sobre a grama.
O dia nublado tem a luz do sol por todos os lados, porque refletida. Mas não
tem o sol propriamente dito. Ficam, portanto, livres os girassóis. Cada um
olhando para o lado que mais lhe apraz. Não há vento. E os últimos frutos da
goiabeira agora se escondem pelos galhos mais altos aonde a mão não chega
sozinha.
Em sua vida cigana, as andorinhas montam tenda nos
fios elétricos. Passam toda a tarde. Algumas aproveitam para voar livremente
fora da formação. Dão rasantes, cambalhotas, mergulham no ar desafiando o chão.
São pequenos aviões pacíficos e silenciosos.
Esta tarde tem a forma de sua substância e a cor do
seu tempo. Às vezes um cachorro late e trinca o ar puro, límpido como o
cristal. Caem sementes e certas gotas de uma chuva jovial marcam meus ouvidos
com um som seco e amuado.
Sob os mourões da cerca pousam pássaros diversos. E
ontem, pelo meio da tarde, outros tantos se banhavam na poça formada abaixo da
janela.
O varal hasteia roupas brancas e essa trégua
permite relaxado cochilo.
Os gatos acabaram de acordar. Deixam-se preguiçosos
sobre o muro lambendo as garras que usarão à noite. Eles me olham, mas não se
importam comigo.
É que eu não devo falar, pois me tornaria incômodo,
mas o que eu quero da tarde é simples: que ela continue como está e que não se
importe comigo.
Rafael Alvarenga
Itatiaia, 08 de março de 2015
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