domingo, 8 de março de 2015

Que a tarde seja ela mesma

Que a tarde seja ela mesma

Os pardais passeiam sua simplicidade sobre a grama. O dia nublado tem a luz do sol por todos os lados, porque refletida. Mas não tem o sol propriamente dito. Ficam, portanto, livres os girassóis. Cada um olhando para o lado que mais lhe apraz. Não há vento. E os últimos frutos da goiabeira agora se escondem pelos galhos mais altos aonde a mão não chega sozinha.
Em sua vida cigana, as andorinhas montam tenda nos fios elétricos. Passam toda a tarde. Algumas aproveitam para voar livremente fora da formação. Dão rasantes, cambalhotas, mergulham no ar desafiando o chão. São pequenos aviões pacíficos e silenciosos.
Esta tarde tem a forma de sua substância e a cor do seu tempo. Às vezes um cachorro late e trinca o ar puro, límpido como o cristal. Caem sementes e certas gotas de uma chuva jovial marcam meus ouvidos com um som seco e amuado.
Sob os mourões da cerca pousam pássaros diversos. E ontem, pelo meio da tarde, outros tantos se banhavam na poça formada abaixo da janela.
O varal hasteia roupas brancas e essa trégua permite relaxado cochilo.
Os gatos acabaram de acordar. Deixam-se preguiçosos sobre o muro lambendo as garras que usarão à noite. Eles me olham, mas não se importam comigo.
É que eu não devo falar, pois me tornaria incômodo, mas o que eu quero da tarde é simples: que ela continue como está e que não se importe comigo.

Rafael Alvarenga

Itatiaia, 08 de março de 2015

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