domingo, 1 de março de 2015

Personagem do meu texto

Personagem do meu texto

Sou uma criação de mim mesmo. Assino sob meu rodapé o nome que me rotula, mas confesso que, algumas vezes, pensei em como seria bom ter um heterônimo para mim mesmo. Sou uma imagem, uma voz, uma sombra. Por vezes também um borrão, um desafino, um breu total.
Tenho páginas e mais páginas desse eu. E a cada praça que ele atravessa penso no que lhe poderia fazer acontecer. Ele vê os casais sob os postes sem luz, ouve o ruído dos carros ao sinal que se esverdeia. É sobre ele que cai a noite, mas ele também é humano. E passa pelos seus maus bocados particulares quando a chuva lhe encharca os calçados engiando-lhe os dedos. E eu estou sempre pensando no seu bem. Antes de por o ponto final em cada frase avalio. Busco alternativas que me poetizem as coincidências. E mesmo que, por força maior, tenha que lhe dar uma manhã enigmática e nebulosa, às vezes até desditosa, faço pensando que de alguma forma irei recompensá-lo em algum depois. Ganho então motivo para me dizer que a vida, mesmo a fictícia, de um personagem privilegiado pelo autor, é envolvida por contratempos e que as palavras dão nós em certos pontos da trama que marinheiro algum teria habilidade para desatar.
Sou personagem apenas de mim mesmo. Mas me confundem. Me confundem rasamente.

Rafael Alvarenga
Itatiaia, 01 de março de 2015


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