Personagem do meu texto
Sou uma criação de mim mesmo. Assino sob meu rodapé
o nome que me rotula, mas confesso que, algumas vezes, pensei em como seria bom
ter um heterônimo para mim mesmo. Sou uma imagem, uma voz, uma sombra. Por vezes
também um borrão, um desafino, um breu total.
Tenho páginas e mais páginas desse eu. E a cada
praça que ele atravessa penso no que lhe poderia fazer acontecer. Ele vê os
casais sob os postes sem luz, ouve o ruído dos carros ao sinal que se
esverdeia. É sobre ele que cai a noite, mas ele também é humano. E passa pelos
seus maus bocados particulares quando a chuva lhe encharca os calçados
engiando-lhe os dedos. E eu estou sempre pensando no seu bem. Antes de por o
ponto final em cada frase avalio. Busco alternativas que me poetizem as coincidências.
E mesmo que, por força maior, tenha que lhe dar uma manhã enigmática e
nebulosa, às vezes até desditosa, faço pensando que de alguma forma irei
recompensá-lo em algum depois. Ganho então motivo para me dizer que a vida,
mesmo a fictícia, de um personagem privilegiado pelo autor, é envolvida por
contratempos e que as palavras dão nós em certos pontos da trama que marinheiro
algum teria habilidade para desatar.
Sou personagem apenas de mim mesmo. Mas me
confundem. Me confundem rasamente.
Rafael Alvarenga
Itatiaia, 01 de março de 2015
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