terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

Enfim, o fim

Enfim, o fim

Foi em um ligeiro instante. Uma frase curta saída com algumas sílabas bem entonadas. Mas ele se sentiu mal logo após. A estupidez não lhe era inquilina sequer das pontas dos dedos. Mas lhe batera na porta da língua naquela tarde, durante aquele desentendimento. E ele a deixou entrar e beber de sua saliva e comer de seus pensamentos, por mais que estivessem frios e salgados. Quando saiu pela mesma boca, correu nua e ingrata arrotando grosserias azedas.
Ela chorou. Talvez de alívio. Ele se escondeu. A briga silenciou a barriga que antes alertava sobre a fome. A briga silenciou a boca também. A tempestuosa desavença afugentara a fome que certamente se escondera no fundo curvo e turvo do intestino.
Tinham terminado tudo. Teve certeza. Não recomeçariam. Era o apito final. O choro durou mais um tanto, entretanto foi respirando e os olhos começaram a ver e o coração bateu como batia antes que se conhecessem.
Talvez a raiva e o desagrado tenham a força dos seus opostos. Não nos separamos antes, ele pensou, porque ainda havia entre nós a força de não nos suportarmos mais. Aliás, uma força de quilate robusto. Acho que hoje não. Porque deixamos até de nos enraivecer um com o outro. Agora sim, podemos nos separar com o sentimento colhido.
- Já chega, não é? - Ela perguntou e ele respondeu com sobriedade. Estavam juntos porque lhes desagradava o outro. Como pode? Perguntaram-se. Mas não responderam embora compreendessem que muitos são os sentimentos que unem as pessoas. Até mesmo a raiva.
Rafael Alvarenga

Itatiaia, 12 de fevereiro de 2015 

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