Uma crônica sobre o calor
Agora é um momento em que todos dormem – eu mesmo
gostaria de dormir, mas não sem antes dizer uma crônica. Devo esclarecer logo,
que agora é dia. Dia ao meio. Estamos bem distantes de qualquer vestígio de
noite. Há inclusive um mormaço amarelado, esvoaçando docemente como se fosse um
pedaço de fino véu preso ao batente de portas e janelas.
Mas é claro que isso é somente delírio de minha
cabeça mal acostumada às inventices da
literatura. Ocorre mesmo que o céu nublado dispersa a luz tornando-a difusa.
Então fica parecendo que ela é irradiada de todos os lados de qualquer coisa.
Antes fosse assim. Afinal, quantas vezes a vida toda não se parece com um
pedaço de inventice?
À porta da cozinha, dorme o cachorro. O chão gelado
lhe refrescando o pelo grosso. E os passarinhos se aproveitando vem à mesa
bicar o farelo do biscoito que ali ficou. São lindos esses passarinhos! E graças
a Deus não respeitam a minha presença. Invadem a cozinha, invadem a casa. E só
não leem um livro porque estão todos fechados agora.
Até as pessoas estão todas fechadas agora, quando dormem.
Num quarto está uma criança que ainda não despertou para o almoço; noutro
cômodo uma pessoa mais velha dormindo pela refeição feita. Nesses dias
ferventes os animais noturnos caçam lembrados pelo ronco da barriga. Pois, não
fosse isso, se deixariam pelas sendas envaidecendo sua condição notívaga, tão
mais agradável nesta estação.
Inclusive eu tenho de parar. Tenho de fechar a
crônica. Porque o sol já me alcança os olhos. Já me ata as mãos. Já assina meu
nome logo aqui abaixo.
Rafael Alvarenga
Itatiaia, 12 de outubro de 2014
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