terça-feira, 23 de julho de 2013

Um mapa

Descobri num mapa empoeirado que o tempo devora pedras. E que os caminhos são como cicatrizes no lombo do mundo. Esse mapa dormia na sombra de uma gaveta calada. No quarto mais amplo da casa de um parente meu. Parente tão velho. Entre nós tanto tempo acumulado em gerações. Não é meu bisavô. Não é meu tataravô. É aquele cujo retrato ovulado foi pintado a mão.
Viemos, pois restou a casa. Tão desmedida nessa cidade tão nanica. As pessoas vinham aqui assistir televisão pela janela. Saber das últimas notícias pelo rádio qual a todos emudecia. A cidade cabia dentro da casa.
Restou a casa. Mas devo explicar melhor. Restaram muitas dívidas. Então viemos aqui apenas assinar papeis infindáveis e saber de sua venda a fim de quitar os débitos. E nada de seu interior pode ser retirado, nos disse o representante do cobrador.
Fico a pensar a que ponto chega a mesquinharia. Dentro da casa tudo é de puro mogno, ébano ou jacarandá. E nós, com esses braços finos de colegiais, jamais seríamos capazes de carregar uma cadeira sequer.
Mas o mapa encontrado na gaveta eu resolvo levar. Sei. As estradas que ele marca mudaram de rumo. E até as montanhas foram já movidas e as pontes derrubadas. É um mapa aleijado; cego e repleto de problemas em sua geografia física.
No entanto somente ele pode me levar a um tempo tão velho. Cujos caminhos não se cartografa mais.

Rafael Alvarenga
Cachoeira de Macacu, 23 de julho de 2013

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