terça-feira, 30 de julho de 2013

Coisa de hábito


Quando pegou a chover era dia. Os lavradores agradeceram aos céus. As galinhas procuraram a parte coberta do viveiro. Os pássaros pousaram. O açude bebeu goles longos. E os gatos vieram fazer amizade debaixo do alpendre.
Exceto as crianças, não houve quem maldissesse a chuva. A terra poeirenta. O ar malcheiroso. As plantas feiosas. E a sede que copo d’água algum tinha ímpeto de matar. Todos louvaram e esperaram.
E não que aquela fosse chuva de tempestade. Nada disso. Era contínua e branda. Chuva que não parava. Até havia dia e noite. Mas agora isso era insignificante. A chuva havia tomado o lugar do tempo.
Chovia tanto que o trabalho na lavoura perdia a colheita. As galinhas atrofiadas nasciam e morriam sobre ovos imóveis. Os pássaros duravam pousados. O açude, bêbado, expandia-se inconveniente por todos os lados. E os gatos tinham seus cios agudos a dois passos de nossos olhos.
Morria e nascia gente e chovia.
No dia quando enfim estiou nasceram flores amarelas na grama. O milharal espetou o ar com espigas cabeludas e insurgentes. Pássaros velhos ensaiaram os primeiros voos ao lado dos filhotes.
Mas as crianças não saíram a correr e brincar. E os adultos, crescidos sob chuva contínua e branda, viram naquilo um péssimo augúrio. O sol feito um olho com raios indiscretos bisbilhotando qualquer gaveta que se abrisse; qualquer faca que se amolasse; qualquer sentimento mesquinho que se escondesse.
Ficaram, homens e mulheres, acaçapados dentro de casa. Por desconhecerem um mundo sem chuva, desconfiaram. Amuados, esperaram que voltasse a chover.

Rafael Alvarenga
Resende, 29 de julho de 2013


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