Quando pegou a chover era dia. Os lavradores
agradeceram aos céus. As galinhas procuraram a parte coberta do viveiro. Os
pássaros pousaram. O açude bebeu goles longos. E os gatos vieram fazer amizade
debaixo do alpendre.
Exceto as crianças, não houve quem maldissesse a
chuva. A terra poeirenta. O ar malcheiroso. As plantas feiosas. E a sede que
copo d’água algum tinha ímpeto de matar. Todos louvaram e esperaram.
E não que aquela fosse chuva de tempestade. Nada
disso. Era contínua e branda. Chuva que não parava. Até havia dia e noite. Mas
agora isso era insignificante. A chuva havia tomado o lugar do tempo.
Chovia tanto que o trabalho na lavoura perdia a
colheita. As galinhas atrofiadas nasciam e morriam sobre ovos imóveis. Os
pássaros duravam pousados. O açude, bêbado, expandia-se inconveniente por todos
os lados. E os gatos tinham seus cios agudos a dois passos de nossos olhos.
Morria e nascia gente e chovia.
No dia quando enfim estiou nasceram flores amarelas
na grama. O milharal espetou o ar com espigas cabeludas e insurgentes. Pássaros
velhos ensaiaram os primeiros voos ao lado dos filhotes.
Mas as crianças não saíram a correr e brincar. E os
adultos, crescidos sob chuva contínua e branda, viram naquilo um péssimo
augúrio. O sol feito um olho com raios indiscretos bisbilhotando qualquer
gaveta que se abrisse; qualquer faca que se amolasse; qualquer sentimento
mesquinho que se escondesse.
Ficaram, homens e mulheres, acaçapados dentro de
casa. Por desconhecerem um mundo sem chuva, desconfiaram. Amuados, esperaram
que voltasse a chover.
Rafael Alvarenga
Resende, 29 de julho de 2013