A grande
árvore velha foi a primeira a avisar. Como aquela avó de tempos imemoriais pôs
lençóis sobre os espelhos e camisas nos moleques. O vento vinha de longe, mas
seu focinho frio já se encostava às células das coisas. A palmeira solitária e
franzina usou a inclinação como estratégia. As folhas compridas apontando na
mesma direção, mostrando que era por ali o caminho. Quem sabe assim o vento
iria embora?
As nuvens e a
chuva não tiveram força para permanecer ancoradas nessa parte do céu. Foram
expulsas não sei para onde e delas ficou apenas o frio de fazer formigar mãos e
pés. Na água um fenômeno extraordinário que, graças a deus não era visto pelos
fanáticos da fé religiosa: do líquido subia um éter, um ectoplasma, um espírito
da natureza, uma transmigração. Era o frio enquanto força volátil se separando
da água, vindo à procura de corpos mais densos onde pudesse se proteger. O que
não tinha nada de religioso, embora fosse divino. O que não tinha nada de puro,
embora fosse magnífico.
Então o frio
encasulou as pessoas. Dentro de casa, dentro das garrafas, dentro do sono,
dentro si mesmas. Era a chance de praticarem uma metamorfose psíquica. Lembrar,
olhar e falar dos medos, dos desejos, das inseguranças, dos novos planos, do
momento que é sempre novo, se for posto acima da vida ordinária.
Olhando para a
grande árvore, avó da terra, anunciadora do frio, penso em como temos
oportunidades de mudar. Se houver vontade basta um vento, um inverno, um
casulo. Recriar-se a si mesmo é a lei da nossa natureza! Ainda bem que você, eu
e as borboletas já sabemos disso.
Rafael
Alvarenga
Cabo Frio, 08
de julho de 2019
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