sexta-feira, 13 de setembro de 2019

Cachaça




Sincera é a cachaça. Transparente como ela só. Às vezes um tanto amarelada. O que se dá quando adormece fagueira na barriga dilatada de um barril. Ao ser submetida a esse sono exige, pelo menos, madeiras fortes e confiáveis; dizem necessário tal cuidado para que a sonolência lhe adoce e amarele o fogo. Sei que branca ou amarela, posso garantir, cachaça não mente!
Abra uma garrafa. Não é cheiro de coisa qualquer. Fragrância ligeira e influente. Esparrama-se entre moléculas de oxigênio, hidrogênio e nitrogênio. Dá-lhes um abraço forte e depois as libera tontas. Instáveis. Bêbadas. Por isso, quando o nariz inspira o oxigênio do ar, primeiro - porque afoita - sentimos a cachaça. Em seguida, o oxigênio embriagado, cambaleia, quica dos beiços para a ponta do nariz. Tem dificuldade para adentrar as portas das narinas. Nos sacos alveolares as moléculas reclamam ao cérebro, todavia a cachaça diz sempre ter sido transparente quanto a sua natureza.
Saída do funil da garrafa a cachaça quer brincar. Depois que seu cheiro se abunda e se acomoda na gente sorrimos para ela. Perdigueira fareja histórias esquecidas em nossa memória. Depois sopra certa amnésia nas preocupações acerca das verdades do universo e da prestação que vai vencer. Ora ainda transforma a língua mole em matraca de madeira.  
E dá um calor de 40° graus dentro da gente. Derrama na moleira um sol agreste. Por fim, chega o momento quando faz salivar. Tonteia o equilíbrio. Chamusca o estômago todo. Faz dos olhos bolas em brasa.
É cachaça: fogo que queima em água!
Sei de muitos que já prometeram abstinência para depois da ressaca. Mentiram! Garanto, sincera é a cachaça!

Rafael Alvarenga

domingo, 18 de agosto de 2019

Depois da 15ª rodada




O Santos ainda é líder, mas sua vantagem está mais magra que um maratonista. Para o alto e avante segue o vice líder Flamengo. O Palmeiras anda devagar, parece que está apreciando a paisagem do campeonato que passa. O Atlético-MG tem muito respeito pelos anfitriões: só canta de galo em casa. O São Paulo é a mais nova ovação com Daniel Alves que agora veste a 10. Jogando um futebol com uma paciência irritante o Corinthians vem chegando e já é o 6º. O Inter vai precisar priorizar uma competição porque ninguém ganha tudo. É hora do Athlético-PR começar a jogar o Brasileirão, porque libertadores e Copa do Brasil já eram. O Botafogo vai bem diante do elenco modesto que tem. O Bahia viveu a boa fase de um carnaval vitorioso, mas parece que anda numa total quarta-feira de cinzas. O Ceará bravamente sonha com uma vaga na próxima Copa Sul-americana. Se alguém quiser golear um time, chama o Goiás! Eles adoram perder por muitos gols. Há pouco tempo o Grêmio leu o regulamento do campeonato e entendeu que os últimos quatro colocados serão rebaixados, por isso o time acordou e começou a jogar. O Fortaleza perdeu o técnico e agora um novo trabalho será recomeçado. Quanta incerteza no meio de um campeonato desses! O Vasco não quer ganhar nada! Seu objetivo é não ser rebaixado, isso basta! Amanhã dirão que está tudo azul no Cruzeiro. Mas, sejamos sinceros, o problema era o Mano? A Chape tem tudo para encarar o primeiro rebaixamento da sua história neste ano. Se a Unimed quiser voltar o Fluminense aceita de braços abertos. Fazia tempo que eu não via um time tão ruim como o CSA. Só um milagre fará os alagoanos permanecerem na 1ª divisão. O Avaí é o time mais generoso da competição: lá do fundo do poço, com a lanterna na mão, ilumina o caminho de todo mundo.

Rafael Alvarenga
Cabo Frio, 18 de agosto de 2019


sábado, 20 de julho de 2019

O vôo do Goytacaz F. C.




Nessa fria tarde de sábado ninguém entendia o que acontecia nas ruas. Olhavam por frestas de janelas, buracos de fechaduras, câmeras de segurança. Gente e mais gente enfrentando o vento cortante que rugia pela rua do gás. Eram os torcedores do Goytacaz em direção ao estádio Ary de Oliveira e Souza, o Aryzão.
O jogo contra o Nova Cidade acabou empatado em 1 X 1. O Goytão perdeu a chance de ficar em primeiro no grupo A, mas se classificou para as semifinais da Taça Santos Dumont que ficaram assim desenhadas: Bonsucesso X Goytacaz e América X Campos A. A.
Logo aos 4 minutos do 1º tempo, Alessandro abriu o placar para o Goytacaz que continuou pressionando, criou boas chances, porém não conseguiu ampliar o marcador. Na segunda etapa foi o Nova Cidade quem mais arriscou. A equipe, que briga na parte de baixo da tabela, passou a dominar as ações e no finalzinho do jogo foi coroada com um pênalti bem convertido.
O gol foi uma lambada de vento frio na torcida alvi-anil que ainda assim permaneceu até o último minuto apoiando a equipe. Não veio a vitória, entretanto foi dado o primeiro passo para o tão sonhado retorno à elite do futebol carioca.
Desde o ano passado o Goytacaz demonstra bom começo de jogos e competição. Mas na reta final sempre tem derrapado. Cansaço? Desatenção? Nervosismo? É hora de avaliar, porque agora os jogos serão eliminatórios.
Quando os torcedores saíram do Aryzão e o azul mais bonito do futebol mundial encarou com coragem o vento frio não houve quem não entendesse e não apreciasse a paixão do povo pelo Goytacaz!

Rafael Alvarenga
Cabo Frio, 20 de julho de 2019

segunda-feira, 8 de julho de 2019

Motivo para recriar-se




A grande árvore velha foi a primeira a avisar. Como aquela avó de tempos imemoriais pôs lençóis sobre os espelhos e camisas nos moleques. O vento vinha de longe, mas seu focinho frio já se encostava às células das coisas. A palmeira solitária e franzina usou a inclinação como estratégia. As folhas compridas apontando na mesma direção, mostrando que era por ali o caminho. Quem sabe assim o vento iria embora?
As nuvens e a chuva não tiveram força para permanecer ancoradas nessa parte do céu. Foram expulsas não sei para onde e delas ficou apenas o frio de fazer formigar mãos e pés. Na água um fenômeno extraordinário que, graças a deus não era visto pelos fanáticos da fé religiosa: do líquido subia um éter, um ectoplasma, um espírito da natureza, uma transmigração. Era o frio enquanto força volátil se separando da água, vindo à procura de corpos mais densos onde pudesse se proteger. O que não tinha nada de religioso, embora fosse divino. O que não tinha nada de puro, embora fosse magnífico.
Então o frio encasulou as pessoas. Dentro de casa, dentro das garrafas, dentro do sono, dentro si mesmas. Era a chance de praticarem uma metamorfose psíquica. Lembrar, olhar e falar dos medos, dos desejos, das inseguranças, dos novos planos, do momento que é sempre novo, se for posto acima da vida ordinária.
Olhando para a grande árvore, avó da terra, anunciadora do frio, penso em como temos oportunidades de mudar. Se houver vontade basta um vento, um inverno, um casulo. Recriar-se a si mesmo é a lei da nossa natureza! Ainda bem que você, eu e as borboletas já sabemos disso.

Rafael Alvarenga
Cabo Frio, 08 de julho de 2019