segunda-feira, 26 de novembro de 2018

Torcedor X analista




O torcedor: Time sem vergonha! Saudades da época que a diretoria roubava, jogadores não recebiam em dia, mas vinha título. Mais uma vez não chegamos lá. Viramos chacota com a história do cheirinho. O torcedor enche o estádio e vê um time mole. Pra que esse elenco todo se não ganha nada? Tem que mandar embora uma dúzia de jogadores. Diego parece a enceradeira da minha vó; Rodinei corre bem, mas aqui não é turfe. E essa diretoria? Uma bananice só! Não pode passar a mão na cabeça de jogador. Saiu vendendo os jovens talentosos, encheu o cofre com Euro, mas ganhamos o que? Cadê os títulos? O importante é ganhar. Eu quero é título!

O analista esportivo: Fizeram mais um bom campeonato. Em 2017 ficaram em 3º, em 2018 2º! Isso significa evolução pragmática. Nunca um vice campeão foi tão longe! São (e ainda falta uma rodada) 72 pontos, sendo 21 vitórias. Segundo melhor ataque, defesa e aproveitamento geral. Isso porque falamos do campeonato nacional de futebol mais equilibrado do planeta. A gestão é um modelo! Dívidas pagas, dinheiro no bolso, CT sofisticado, profissionais de qualidade indiscutível. Além de elenco pra disputar cinco competições por ano. Diego é o motor criativo do time; Rodinei é quase um Charles guerreiro pela lateral. Investimento no basquete, natação e até em games! E um Maracanã sempre cheio! Esse é o caminho pros títulos que a torcida quer.

Rafael Alvarenga
Cabo Frio, 26 de novembro de 2018





sábado, 17 de novembro de 2018

Torcedor pelo avesso




Nasceu em uma casa onde se vestia uma única camisa. Nos dias de jogo se reuniam. E na comemoração do gol esqueciam até das dívidas. Lugar pacato aquele. Sequer um grito de campeão continental poderia ser ouvido pelo vizinho, tal era a distância e o tanto de árvores.
Por ali a moça cresceu e viu a tal crise carcomer bolsos inteiros. Mesmo assim ela conseguiu trabalho em outra cidade. Pagava-se bem, contudo o horário era uma mordida dolorosa quando acordava às 4 da madrugada. Precisa descansar. Mas quem é que consegue pegar no sono às 19h? Conversou sobre a possibilidade de entrar às 7h. Só ano que vem, disse o chefe.
E justamente nesse ano seu time montou um elenco reluzente. Jogadores de nome, técnico experiente. Na primeira semana ela escolheu não dormir. Viu o jogo inteiro. Um baile! Seu time arisco e inventivo como nunca vira. Mais duas semanas e ela estava um bagaço. Impossível dormir à 1h e acordar às 4h.
Era o trabalho ou o time do coração. Entretanto a crise estampada na capa dos jornais lhe indicou uma decisão prudente: o trabalho. Naquele ano só veria os jogos do domingo à tarde. Até cochilava, mas das 21h até depois do fim do jogo, eram gritos e fogos de artifício. Sinais que lhe narravam a partida. E quanto mais o time ganhava mais duradouras eram as comemorações. Até na cozinha certa vez ela pôs o colchão. Valeu de nada. Reclamou. E a partir de então gritaram ainda mais alto, acreditando que ela torcia para o adversário.
Estava ensandecida. Sem dormir, com olheiras e mau humor. Se a crise acabasse pediria demissão e iria embora. No entanto ela continuava diariamente nas capas dos jornais. Começou a torcer para que os jogadores do seu time se machucassem. Para que acabasse a energia elétrica no estádio nas quartas-feiras. Mas foi em uma noite de setembro quando virou a si mesma pelo avesso. Seu time foi desclassificado de uma competição importante e assim que soou o apito final ela abriu a janela com um empurrão violento para gritar na noite silenciosa: Chupa!
Ninguém respondeu. Há meses não dormia poucas horas tão profundas.

Rafael Alvarenga
Cabo Frio, 04 de outubro de 2018