quinta-feira, 25 de agosto de 2016

A ventania que passou por aqui

A ventania que passou por aqui



Ontem foi uma ventania de espantar. As pessoas saíram aos quintais e rapidamente deixaram nus os varais. Depois os homens mais fortes fecharam portas e janelas e se mantiveram protegidos e aquecidos dentro de suas casas, já que lá fora o vento uivava num tom de lobo mal.
Não demorou e a pane completa da energia elétrica deixou a todos ainda mais indefesos. Nesses tempos de avanço a falta da televisão e do chuveiro elétrico deixou o ser humano diante da constrangedora tarefa de conversar com quem está sempre ali adiante. Mas veio a necessidade salvadora de procurar e acender as velas e a tarefa distraiu os viventes, embora as sombras os deixassem temerosos mediante a lembrança de um passado trevoso e medieval.
Da cumeeira a ventaria arrancou telhas que ao encontrarem o chão produziam um som apocalíptico. Das árvores arrancou as últimas folhas, deixando os galhos apontados como chifres no clarão dos raios. Das pessoas arrancou as mais ancestrais superstições quanto a espelhos, objetos de metal e ateísmos. Do poeta arrancou a insossa mansidão do dia inteiro sem poesia; que alimentava como pão sem manteiga.
Restava a esperança de que a ventania iria passar. Porque talvez somente o ser humano tenha esperanças de que as coisas passem um dia. Porém a ventania era cumprida como um trem que puxa muitos vagões carregados. Um trem que demora a passar e que apita dizendo: Atenção, deem passagem, não posso simplesmente frear. Não posso simplesmente pedir com gentileza. Pois isso não é da natureza dos trens de carga, tampouco das ventanias.

Rafael Alvarenga
Itatiaia, 25 de agosto de 2016