sexta-feira, 11 de setembro de 2015

Pergunta de criança

Pergunta de criança

Hoje pela manhã uma criança me perguntou por que chovia. Respondi que já estava na ocasião das goiabeiras perderem as folhas da última primavera. E que por isso caíam gotas grossas, às vezes finas e insistentes, mas que enfim chovia. E que toda água caída do alto acontecia para também fazer cair de outro alto as folhas da goiabeira. Contudo não de forma que a árvore ficasse nua. Neste tempo úmido toda vida merece algo que lhe sirva de cobertura. É que na goiabeira para cada folha envelhecida que abandonava o fio da seiva um broto nascia. E seu verde era tão vivo que lembrava-nos o amarelo sanguíneo das flores dos ipês.
Foi ainda na companhia dessa manhã que a chuva cessou. Entretanto não como a perder o ânimo de viver enquanto água caindo. Cessou a fim de reunir-se em nuvens carregadas, incapazes de tolerarem a si mesmas. Choveria em breve, porém antes disso uma criança voltou a me perguntar: Porque parou de chover? Respondi que era para vermos as gotas d’água nas folhas da laranjeira. Pois penduradas em fino equilíbrio refratavam a luz do sol combatente forçando porta entre as nuvens que se deslocavam. De cada folha pendiam pérolas. E por esses pontos a luz multiplicada ensolarava um instante de espaço antes do de novo da chuva.

Rafael Alvarenga

Itatiaia, 11 de setembro de 2015

terça-feira, 1 de setembro de 2015

Carta aos meus amigos

Carta aos meus amigos

Preciso escrever muitas cartas aos meus poucos amigos. Eles estão bem longe. E o tempo é traiçoeiro, pois abranda até o que é verdadeiro. Vou dizer a eles sobre a lua avançando veloz em seu quarto crescente. E vou perguntar quem anda esvaziando o copo que um dia fora meu. Mas terei muito cuidado, é claro, pois não se trata de um ciúme bufão, desejo apenas que o copo continue seu filosófico trabalho.
Nestas cartas as frases inacabadas serão frutos dos desembaraços que não soube resolver. E a falta de lógica entre as ideias sublinharão a profundidade de minha surdez perante o que diz o vento.
Direi também que alguns casos continuam. Aqui há donos para todas as coisas. E eles proíbem passagens até o rio bem como ameaçam nossos olhos quando alcançam as frutas maduras. Mas vejam só vocês, meus amigos, eu não pretendo ameaçar e proibir, entretanto quero ser dono. Que dono serei eu?
É melhor falar de outros assuntos. Cartas alegres jamais são jogadas fora porque não saem das memórias. Então direi que meus vizinhos temem assombrações. Agora, faz pouco, contavam histórias inventadas e verdadeiras. Fiquei um tanto quanto remexido por dentro da valentia. Ora, só sei ter medo de ladrão e revolver. E aqui trancar ou não a porta não faz lá muita diferença.
Ah, meus amigos! Cá lugares sossegados não me faltam para escrever. Porém agora, a todo instante, uma criança alegre me puxa pela mão. Aponta-me o mundo. E sem dizer palavra me convida a experimentar tudo de novo; porque está tudo novamente diferente.


Rafael Alvarenga