Rua escura
A rua toda escura. Porque as pessoas todas se foram
neste sábado festivo. E sequer uma luz de varanda da frente deixaram acesa. Vejo
apenas os cachorros soberanos nos quintais e as estrelas cultivando seus pedaços
de céu. Esse escuro que me aguça o ouvido e me derrama a saudade.
Faço fogueira, acendo cigarro de palha, mas
pensamento não inova. Dá lá suas voltas, porque não há coisa mais livre, contudo
volta como a procura de seu pote de comida. É bicho o pensamento, graças a
Deus!
Farejo chuva. E lembro-me de um lugar que fui faz
tanto tempo. Não me lembro porque lá chovia. É que era frio. Eu um estrangeiro
que nenhum par de pernas, nenhuma flanela de miolo de casaco, nenhum tostão que
comprasse bebida podia aquecer. Um frio que se dizia seco nos noticiários, mas,
para mim, um frio tão frio que lembrava água de chuva – quando se tem ímpeto para
sair na chuva sem praguejar.
Ouço música, leio teorias sobre a vida, obedeço aos
sinais de trânsito e uso garfo e faca. Entretanto mesmo assim quando a noite é
escura como era desde o começo falso do mundo, eu ouço as coisas embriagado. Ouço
com entusiasmo. Porque a rua toda escura me abandona. Às vezes preciso que
todos me abandonem. E que os cães sequer me olhem. E que a noite sozinha me
amanheça.
Rafael Alvarenga
Itatiaia, 08 de agosto de 2015