Lençol branco
Àquela época vivíamos uma guerra
um tanto quanto fria. De forma que nos separar seria como um armistício. Sequer
almoçávamos com dois pratos à mesa. Era eu ou ela. E nossa televisão, que
jamais nos disse nada atraente, funcionava cada vez mais. Afinal, o último a
chegar ficava ao sofá olhando a tela até dormir. Era uma forma velada de
explicar porque não fora para cama.
Íamos aguentando. Ninguém
dizia nada sobre a situação. O desconforto tinha quilos e o silêncio fuzilava.
Sei que nos entrincheirávamos em trabalhos tediosos. E assim sucediam as
batalhas travadas diariamente. Lutávamos como soldados rasos de uma guerra
desconhecida. E muitas vezes sentíamos dúvida. Numa quinta-feira quase lhe
escrevi uma carta de amor. Mas resisti tolamente como o soldado que combate sem
propósito. Lutava contra alguém que conhecia tanto quanto sabia não ser meu
inimigo. Eu e ela. Jamais fomos oponentes. Ela fazia questão de lençóis novos
todos os dias e eu detestava arrumar a cama antes do sono. Essa era a órbita de
nossas diferenças.
Bem, estávamos equivocados. Perdidos
em uma batalha inútil. Um confronto furtado dos desencontros banais do nosso
cotidiano que não permitia que esquecêssemos um tubo de pasta de dentes se
fossemos a Itatiaia. Pensava assim enquanto voltava para casa num fim de tarde
morno e iluminado. Pensava em uma trégua para que voltássemos a nos falar frente
a frente. Mas ela entenderia? Eu queria um armistício, contudo a covardia
sombreava meus gestos.
Vim andando devagar. Depois
da esquina tudo era praticamente a vista do nosso sobrado. Ergui os olhos e vi.
Pendurado, esvoaçando pela abertura da janela, dormia um grande lençol branco.
Tive certeza. Era uma
mensagem de paz.
Corri. Subi as escadas aos
saltos. E quando abri a porta ela me olhou tão esbaforida quanto eu. Respiramos
um o sentimento do outro num beijo longo enquanto o lençol tremulava na janela.
Rafael Alvarenga
Itatiaia, 09 de janeiro de 2015