quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Avarandado

Avarandado

Chegou um maço de telhas vermelhas, um morro miúdo de areia e outro de brita. Cada saco de cimento pesa tanto quanto um defunto muito gordo.  Já os tijolos são poucos. Mas sequer contei. Se faltar um é melhor que eu nem saiba. Os orçamentos, as contas e as dívidas, esses já chegaram também. Aliás, vieram bem cedo e sua idade é irrevogável. Acho que será amanhã que começa a obra. Quebrarão algumas partes, montarão outras. E assim encaixarão o madeirame nos pontos previamente calculados, costurando uma rede de peças e ripas. E aí estará tudo pronto! Pronto para que um desejo infindável de permanecer sob a sombra que o avarandado oferecerá corra sobre mim como uma besta selvagem, sem moral, freio e rumo.
O trabalho dignifica o homem! Direi ao pedreiro. Acho que ele ganha mais dinheiro que eu. E talvez ele seja mesmo mais digno que eu. Posto que fazer crescer uma parede é menos malfadado que criar linhas e linhas sobre uma página solitária. Além do que, seu trabalho será elogiado por todos aqueles que me visitarem. Ao sentarem-se à sombra descansando a pele do calor desse verão pleno, sentirão enorme prazer. E embora tantos de nós mal saiba fazer uma varanda ou um livro, dirão elogios apenas do primeiro. Sobre o segundo se calarão para evitar amolações.
Há pouco ligaram também para informar sobre pregos e vergalhões. Falaram de comprimento, diâmetro e peso. Queria dizer que estava à crônica àquele momento e que a ligação desconcentrava. Mas silenciei e acabei por me declarar ignorante. Ignorante de qualquer coisa que preste.

Rafael Alvarenga
Itatiaia, 06 de novembro de 2014