A história do rato que eu não matei
Talvez ele tenha entrado por debaixo da porta. Tão
astuto pelas brechas. Flexível e contorcido se dobrando tal um invertebrado.
Tudo porque seu focinho untuoso procura ainda mais.
Quando o avistei não saí em disparada. Pois não
resolvo as coisas por um ímpeto natural e resoluto. Tudo em mim é razoável, moroso
e abobado. E ele com seus olhinhos mortos não via minha inércia.
Pensei em chinelo, vassoura. Mas repudiei o estrago
que os líquidos viscerais do animal deixariam aos meus pés. Veneno de rato
seria perfeito! Embora causasse um tanto de demora. E como viver com ele
habitando os subterrâneos de minha máquina de lavar? Ou passeando descansado
pela cozinha, como que procurando alimento em um branquejado bosque. Com certeza
assim que eu descruzasse as pernas se alertaria e, em desespero, se encobriria.
Calcei um par de botas. E amarrando os cadarços
raivosamente contorcia a boca pensando em esmagá-lo secamente. Puxei um banco,
depois uma pilha de jornais velhos, depois o cesto de roupa suja, depois outras
e outras coisas que a nada me serviam. Ele estava entre o último caco e a
parede. Suando seu medo e amedrontando a mim, o gigante de duras botas que se
aproximava carrasco para a carnificina indesejada.
Se ele pudesse me entender eu lhe pediria apenas
que fosse embora no 3, e então eu começaria a contar. Tão encurralado estava que
me atacaria a cara. Por isso me protegi ridículo com a pá de lixo.
Mas ele como numa odisseia homérica saiu em
carreira e atravessou a cozinha em direção à porta. Saiu desesperado. E eu
agradeci em um silêncio covarde.
Rafael Alvarenga
Resende, 19 de junho de 2014