Bom de bola
Uma vez o menino pediu a mãe para jogar bola. Ela
se fazendo de desentendida lhe respondeu: Mas você já está jogando, meu filho! E
levou a mão à cabeça dele, saindo num passo mais ligeiro que o drible do bom de
bola.
O menino e a parede eram adversários num jogo em
que nada mais se disputava. Desses onde não há nem quem assista.
A mãe
voltava. E como um técnico mancomunado a sórdidos empresários, jamais punha o
menino em campo. Do portão de casa ele, torturado, assistia os outros meninos
no meio da rua de chão.
Pensou até em ser técnico no futuro. Afinal,
observava acertadamente o posicionamento torto de cada jogador: esse grandalhão
não ia bem pela lateral esquerda, tampouco aquele baixinho franzino segurava
alguma coisa na retaguarda.
No coração da mãe nem um pingo de sobressalto.
Olhos abatidos eram os do menino. Se a pelada fosse na outra rua dava para
arriscar uma mentira por uma partida de dois gols. Mas ali na frente era
impossível. Como era impossível, naquela idade, sonhar em ser técnico. Queria
ser jogador, titular e fazedor de gol.
Marcou pontos na parede, e como se fossem alvos,
mirava-os com a bola. Seus passes eram cada vez mais precisos. Dominava os
fundamentos do futebol.
Um dia a mãe abriu o portão. O menino saiu a jogar
e jogava tão bem que jamais voltou para a reserva de qualquer lugar. Em poucos
anos transformou-se em craque de majestosas proporções.
Para muitos nascera com um dom extraordinário. Para
ele era bem mais simples: questão de fundamento.
Rafael Alvarenga
Resende, 28 de fevereiro de 2014