domingo, 25 de agosto de 2013

Quando a árvore virou notícia

Quando a árvore virou notícia

Aqui estamos na época dos dentes de leão. Por qualquer margem de rio ou terreno baldio que se passe hastes finas empinam círculos felpudos.
Pelas manhãs as maritacas gritam para esquentar. E comem as sementes de uma árvore magra de folhas. É um tronco alto e atrevido no qual a morte lhe vai ascendendo e caceteando. Sobra vida somente nas sementes. Mas as maritacas engolem tudo. Seus bicos tortos, suas garras monstruosamente curvas riscando os galhos; sua cor verde, humilhando a pobre árvore seca, falecida, sem uma migalha de folha sequer.
Eu não sei o nome dessa árvore. Contudo nas manhãs quando lhe passeio sobre o corpo descarnado, tão estéril que incapaz de qualquer nuança, eu lhe atribuo nomes. Tento sorrir e distraí-la, como fazem os visitantes de lugares cheios de doentes.
Porém eu também não posso interromper minha caminhada e prostrar-me ali conversando com uma árvore prestes a acabar.
As maritacas são insaciáveis. Comem todas as sementes enquanto reclamam, creio, da árvore que não mais as produzirá. Envergonhada, raquítica, torcida, velha. Qualquer hora ela tombará. Atravessada no asfalto interromperá o transito. Aparecerão guardas, trarão motosserras, curiosos pararão para olhar, as rádios noticiarão e durante o jantar alguém comentará praguejando a árvore que o atrasou a volta para casa onde então comerá o jantar requentado.
É o fim da árvore cujas sementes as maritacas aos gritos despejaram longe dali. Não sabem as maritacas, porque não interessa nada saber, porém plantaram foi um começo. Que tomara, não seja tão noticiado como esse.

Rafael Alvarenga

Resende, 25 de agosto de 2013

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Tanto amor


Tanto amor

Ele desesperado. Catando palavras para explicar o que não havia acontecido. Palavras que, aliás, saíam quicando pela boca gaguejante. E o rosto desfigurado. Porque esfregado pela mão nervosa. Tanto amor, ele pensava, não poderia acabar por uma besteira qualquer.
Era verdade que agora ele duvidava desse tanto amor dela. Ele desesperado. Telefone à mão. À espera de algum dizer. Algum alô. Tanto era o amor. Tanto se expandira por todos os lados que agora sua casca era fina e frágil. Iminente a rachaduras.
Ele desesperado. Afinal o que acontecera? Ela não o aguardara como fazia sempre. E já rompera a eternidade de cinco minutos sem uma mensagem sequer. Falando ao amigo ele tentava explicar o que não ocorrera. Mas as palavras trocadas com ela pela manhã foram tão poucas, tão ordinárias. Não havia motivo. Ele gaguejava: Tanto amor, não poderia acabar por uma besteira qualquer.
Era verdade que ele agora duvidava desse tanto amor dela. O telefone fora de área ou desligado. Prova suficiente de tudo quanto ele não sabia. Ela se escondia. Ou se afastava?
Ele já nem gaguejava mais. Olhava além com olhos imóveis. Sua expressão ganhando contornos penosos. E nas viradas de cabeças para um e outro lado confirmava-se sua resignação. Embora a frase ainda ecoasse: tanto amor, não poderia acabar por uma besteira qualquer.
Antes de caminhar, escoltado pelo amigo fiel, o telefone anunciou a mensagem eletrônica: Passa lá em casa mais tarde.
Não sorriu, entretanto, aliviado, confessou: Eu sabia! Tanto amor não poderia acabar por uma besteira qualquer.

 

Rafael Alvarenga

Resende, 03 de agosto de 2013