A
mulher tem marido, filhos, duas televisões, rádio, celular, campanhinha,
interfone e ainda assim se sente só. Sai ou entra alguém pelo corredor e ela
vem olhar; quer falar, se abeirar, se amigar, quer não estar só.
O
filho menor quer conversar, o maior quer sair e o marido quando chega quer
companhia para ver o futebol. Mas a mulher não quer conversar com o filho menor
que é tão menor, não quer deixar o maior sair, pois é melhor que fique em casa
guardado pelos youtubers do que
correrendo perigo nessas ruas mansas, não quer ver futebol, pois é jogo do
flamengo e ela, ainda que quisesse ver o futebol, não torce para o flamengo.
Como
é difícil! E a vizinha não pára um instante no corredor reclamando da chuva “que
não deixa as roupas secarem!”. Para seu alento a cidade também faz aniversário.
E foi uma tarde inteira de ruído de secador de cabelo.
Entretanto
logo hoje o marido se fez doente. Chegou do trabalho espirrando alto.
Desenhava-se uma noite qualquer com os filhos jogando e o marido adoecendo.
Ela
não disse nada. Levantou-se. Escolheu a roupa, foi ao banheiro, vestiu-se,
maquiou-se, pegou a chave do carro e foi para a festa. Tão sorrateira que ninguém
percebeu. Os meninos jogando, o marido assistindo futebol e adoecendo. Seguiu belíssima,
uma mão no volante e outra descansando sobre a porta do carro de vidro aberto.
Quando...
GGGOOOLLL!!!!
Gritou o marido na cama ao seu lado. Ficou aporrinhada. Levantou-se, abriu a
porta e foi para o corredor, mas não havia ninguém, nem para uma breve
conversa.
Rafael
Alvarenga
Cabo
Frio, 12 de agosto de 2018