Os
mais esquecidos
Os
guarda-chuvas povoam a cidade nesta ensopada manhã de março. Cada pedestre traz
o seu e as calçadas ganham uma marquise extra. Se eu fosse menino ainda e
tivesse vigor e esperteza suficientes correria pelas calçadas sob os guarda-chuvas
driblando os corpos como um bom ponta direita.
E como são
variados os exemplares. Uma senhora vem com um que é pequeno e alaranjado
marcado com as dobras do tempo em que permaneceu guardado; um homem de gravata
vem com um modelo grande e preto que tem no meio uma brilhante ponta de para-raio;
duas jovens amigas seguem lado a lado empunhando o mesmo tipo azul com bolinhas
brancas; uma criança quer que todos vejam seu exemplar estampado com seu
personagem preferido. Mas há também o sujeito que não conseguiu abrir o seu.
Enfurecido ele puxava e forçava os mecanismos a ponto de quebrar a frágil
estrutura. Outro rapaz tem um moderno guarda-chuva cinza escuro e anda sem
pressa procurando uma moça para oferecer carona. Outro tem uma mão no guidão da
bicicleta e outra no cabo do guarda-chuva e por isso tem a impressão de ir
pouco seguro pela cidade.
Os guarda-chuvas
se acumulam no ponto de ônibus formando um verdadeiro escudo sobre as cabeças
dos cidadãos. Ninguém os esquece até entrar no ônibus: ali dentro eles se
transformam em pedaços de tecido molhado pingando uma água fria que não cansa
de escorrer.
Não conheço
quem goste disso. Pobres guarda-chuvas! Lembrei deles hoje. Dos objetos que já
vi, são os mais esquecidos.
Rafael
Alvarenga
Itatiaia, 22
de março de 2018
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