Infeliz
carro prateado
Infeliz carro
prateado! Bonito sim e até com certa imponência! Sua cor brilhante, seus
sistemas elétricos e modernos, sua frente intimidadora como a dos grandes
felinos. No entanto sua natureza fora moldada para os caminhos asfaltados.
Trouxeram-no
para a estrada de chão. E bastava uma criança pedir um pirulito que lá se ia o
carro prateado fazer o sacrifício. Ocorreu que algo foi afetado na mecânica de
seu corpanzil. Ficou estacionado na entrada da casa e aconselharam ao dono que
chamasse um especialista adequado para o caso. Mas ele diagnosticou que o
problema não era grave e garantiu que possuía habilidades para curar a máquina.
Comprou uma peça nova, pediu uma ferramenta emprestada e se meteu sob o carro
para logo constatar que sua iniciativa piorava o problema.
O abandono do
infeliz carro prateado aumentara ali. Disseram que onde estava era inseguro.
Que no verão há tempestades. O dono nada fez. E a tempestade chegou lançando
uma telha bem no meio do para brisa. Um verdadeiro nocaute!
Pior que
começaram as reclamações, pois o carro há tanto estacionado, assassinava a
grama que sofria debaixo de sua sombra grossa. Empurraram-no para outra parte
do terreno como se fosse um defunto que não cheirasse mal.
O dono da casa
mal dizia o carro! O dono do carro o abandonara. Tenho certeza que lhe
escorrera alguma lágrima pelos faróis, mas como chovia ninguém percebeu. Alguns
dias e as crianças não se preocupavam se a bola esmurraria a lataria e os
pássaros se empoleiravam nos retrovisores.
Infeliz carro
prateado! Fui me inteirar com o dono da casa o que acontecera com “tão belo
modelo automotivo!”. Ele falou muito e por fim afirmou “É um carro
amaldiçoado”. Eu que nada entendo de motores e sequer sei dirigir sugeri “Então
que se dê um banho de sal grosso nele”. Antes que a testa do sujeito
desenrugasse, pedi licença e saí.
Rafael
Alvarenga
Itatiaia, 29
de janeiro de 2018