Histórias de contos de fada
A menina ouve as histórias de contos de fada. Tem
os olhos acesos e seus lábios se movem em silêncio embora queiram dizer o
pensamento; entretanto como a atenção corre pontual por trás dos enredos que se
desenrolam, as palavras não vazam. As palavras se contêm, se desmancham, se
justapõem; mas ainda não vazam.
Daí a pouco, um virar de página, e a história
oferece o monstro. Suas intenções duvidosas, sua pele asquerosa, seus olhos sem
beleza. Tudo diz à menina o que ela deve dizer. Afinal, não se deve gostar dos
monstros. Eles nasceram para ser repelidos e nas histórias dos contos de fada
eles são maus por natureza, porque a natureza assim os teria feito.
A menina quer saber por quê. Porque a natureza fez
o monstro? Tão difícil dizer alguma coisa. Pois a natureza não parece que fez o
monstro. Porque quem fez o monstro, esse sim, fez também as histórias de contos
de fada. Mas porque o homem teria feito o monstro? Sinto-me como o pai da Mafalda em desespero por causa de uma
pergunta curta feita com os olhos mirando dentro dos olhos.
Digo que não sei. Continuo a história, porém dessa
vez as palavras da menina vazam e ela busca me confortar. Diz que se chegar um
monstro aqui - feito por algum homem - ela o irá bater com o bambolê na cabeça.
E em seguir ordenará que aqui não podem entrar monstros feios e chatos.
Dou um sorriso e como meu rosto relaxa, ela me diz
por fim: Não se preocupe papai, não deixarei que nenhum monstro entre aqui.
Pode continuar lendo a história sem medo.
Eu acredito nela. E continuo a leitura.
Rafael Alvarenga
Itatiaia, 29 de setembro de 2016