quinta-feira, 10 de julho de 2014

Estio


As nuvens estão se cansando - se esvaindo - de tanto que já choveram. Parecem até costelas embranquecendo em uma sequência arqueada o corpo dentro do qual vivemos. Costelas tão magras a ponto de mostrarem a pele azul do céu.
Entretanto o chão não reage mais. Solapado abaixo de longas poças só pode ser notado se o pé se encoraja e afunda na turvação. Esse instante é como o assinar de um armistício. As nuvens não chovem mais e o que resta de chão se rende. Esse instante é atravessado pelo tiê-sangue, pousando seu vermelho desatado no bordado verde do matagal. Chama a atenção o tiê-sangue. E também o homem que se agarra em suas muletas a fim de ir pela rua. Não tem nenhum compromisso. Veste uma boina e um suéter listrado sobre a camisa azul claro. Como o tiê-sangue esse homem sabe que não vai mais chover. Além disso, não há ninguém na rua e por isso cada passo conseguido é um voo completamente sentido.
Se fosse mais cedo nos olharia um sol caolho. Mas é a lua em formato de olho de vidro inteiro quem pisca à minha janela. E com a terra molhada a escuridão brilha afiada como fio de navalha nova.
O tiê-sangue não passa voltando. E o homem em suas muletas se cansa.

Rafael Alvarenga

Itatiaia, 10 de julho de 2014