domingo, 29 de dezembro de 2013

Versos



Versos
Os versos não te esperam acordar. Tampouco se calam durante seu sono leve. Os versos que falam. Porque há versos que não falam. Que se recortam como degraus. E como é estafante subi-los apenas para chegar ao ponto final. Se ao menos houvesse uma vista para o mar (...), como disse Cecília Meireles, o último andar seria se não prazeroso ao menos compensatório. Mas não! Há versos que não falam. São como recortes em concreto e seu fim é inteiramente despossuído de vista para o mar.
Ouço passos lá na rua. Barulho de sapato antigo. Preocupo-me. Ninguém usa mais sapato antigo. Receio que seja algum fantasma muito antigo. Vestido a moda antiga. Que tocará minha campainha e pedirá para entrar. Receio muito esse tipo de crônica, pois esses homens geralmente são frágeis, mas sabem de tudo. Sabem até das intenções da gente. Embora pareçam bobos, desencarnados e tímidos.
Hoje é domingo. E eu não acordei mais tarde. Agora estou reunido à porta da cozinha de onde vejo uma barata passando retardadamente. O sol vai pondo tudo no lugar como uma mão materna. E o silêncio ganha certa resistência uma vez cromado pela luz derretida.
Se imobilizar meu corpo, talvez veja muito mais. Há tanto movimento para ser percebido quando paramos. Movimentos de cor (um amarelo perdido no peito de um pássaro preto), movimentos de aroma (a doçura de uma baunilha atada a uma pilastra).
Abri já todas as janelas! É quando o sol está rente ao horizonte o único instante em que deita em nossas camas!E deita para um amor de versos!

Rafael Alvarenga
Cachoeiras de Macacu, 29 de dezembro de 2013

domingo, 15 de dezembro de 2013

Terça-feira de verão

Terça-feira de verão

Ela esperou que todo inverno passasse. E nomeou bem uma terça-feira de verão. Era uma noite já iniciada. Mas o calor queimante quase iluminava, quase criava dia sem ofender as estrelas. Eu sabia que ela viria. Aguardei despreocupadamente. Caminhando pelo apartamento como quem caminha em busca de uma brisa.
Tocou a campainha. Ela não ouviu meus passos. Capturei-lhe o corpo todo dentro da forma bojuda do olho mágico. Vinha escondendo apenas o que cismamos não poder mostrar. Imaginei o calor de sua pele e o cheiro natural que lhe caldeirava a nuca.
Ao meu beijo sua boca esteve fria. Amarrada. Quadrada. Sem curva alguma. Perguntei se estava tudo bem. Ela respondeu não, mas que ficaria melhor. Refez o nó dos cabelos. Sentou a bolsa sobre minha mesa. Meus olhos desarmaram-se abandonados e frágeis.
Ela disse não podermos mais. Eu olhei pela janela e na rua alguém passava rindo alto. Como aquilo me penetrou diabolicamente. Ela no sofá com um short que só escondia o que cismamos não poder mostrar. Pensei em ir nadar. O motivo, segundo ela, era ela mesma. Eu estava isento de qualquer conta, culpa ou benefício. Senti-me torto como o armário que acaba de perder o calço que tanto lhe aprumava as quinas.
Ela se foi com a boca fria. Amarrada. Quadrada. Sem curva alguma. Sai à rua. Era ainda terça-feira de verão. Escondiam-se apenas o que cismamos não poder mostrar.
Ainda bem, ela esperou que todo inverno passasse.

Rafael Alvarenga

Resende, 12 de dezembro de 2013