Sincera é a cachaça.
Transparente como ela só. Às vezes um tanto amarelada. O que se dá quando
adormece fagueira na barriga dilatada de um barril. Ao ser submetida a esse
sono exige, pelo menos, madeiras fortes e confiáveis; dizem necessário tal cuidado
para que a sonolência lhe adoce e amarele o fogo. Sei que branca ou amarela,
posso garantir, cachaça não mente!
Abra uma garrafa. Não é
cheiro de coisa qualquer. Fragrância ligeira e influente. Esparrama-se entre
moléculas de oxigênio, hidrogênio e nitrogênio. Dá-lhes um abraço forte e
depois as libera tontas. Instáveis. Bêbadas. Por isso, quando o nariz inspira o
oxigênio do ar, primeiro - porque afoita - sentimos a cachaça. Em seguida, o oxigênio
embriagado, cambaleia, quica dos beiços para a ponta do nariz. Tem dificuldade
para adentrar as portas das narinas. Nos sacos alveolares as moléculas reclamam
ao cérebro, todavia a cachaça diz sempre ter sido transparente quanto a sua
natureza.
Saída do funil da garrafa a
cachaça quer brincar. Depois que seu cheiro se abunda e se acomoda na gente
sorrimos para ela. Perdigueira fareja histórias esquecidas em nossa memória. Depois
sopra certa amnésia nas preocupações acerca das verdades do universo e da
prestação que vai vencer. Ora ainda transforma a língua mole em matraca de
madeira.
E dá um calor de 40° graus
dentro da gente. Derrama na moleira um sol agreste. Por fim, chega o momento
quando faz salivar. Tonteia o equilíbrio. Chamusca o estômago todo. Faz dos
olhos bolas em brasa.
É cachaça: fogo que queima em
água!
Sei de muitos que já
prometeram abstinência para depois da ressaca. Mentiram! Garanto, sincera é a
cachaça!
Rafael Alvarenga